Ricardo Iglesias partiu deste mundo no dia 24 de maio de 2021, quatro dias depois do aniversário de 59 anos. Mas deixou um legado eterno de amor e inspiração para a inclusão social em Mato Grosso. Desde a mais tenra idade atuou direta e indiretamente na política de representatividade. Lutou a vida inteira pela cidadania e inclusão social, numa época em que Mato Grosso parecia muito distante dos grandes centros urbanos.
Cuiabano, nascido no dia 20 maio de 1962, foi o terceiro filho do engenheiro doutor Domingos Iglesias Valerio e Norma Ruth Boehler Iglesias. O parto foi difícil e precisou da ajuda de fórceps. Nem os médicos e tão pouco os pais perceberam nada de anormal na criança. Mas à medida que os meses se passavam, a mãe ficava cada vez mais alerta. Ricardo, ao contrário dos outros filhos, não falava, nem sentava e tão pouco andou no tempo certo. Quando estava com 16 meses recebeu um diagnóstico terrível para a época. Os problemas de Ricardo não eram causados pelo parto difícil como pensava Norma. O pediatra informou que o menino tinha um distúrbio genético conhecido como Síndrome de Down, causado pela presença de um cromossomo extra.
DOWN E PRECONCEITO
Atualmente poucas pessoas não sabem o que é a síndrome em pauta. Porém, naqueles tempos, eram raros os que tinham um pouco de conhecimento sobre o assunto, embora já existissem registros antigos a respeito. O primeiro a detectar o cromossomo extra foi John Lagdon Down, em 1866. Mas o mundo insistia em a desconher como patologia decorrente de um acidente ou erro genético.
Consequentemente, quem nascia com Down, algo que pode acontecer com filhos de quaisquer pais sem nenhum erro genético, era marcado como mongoloide e/ou bobo. O senso comum ainda temia ser uma doença contagiosa. Os filhos com Down eram escondidos de todos e recebidos na família como um castigo divino. Ficavam trancafiados em casa, longe dos olhos da sociedade. Nenhuma ação pública havia para incluí-los. Morriam cedo, exatamente por isso. A maioria antes dos cinco anos, vítimas do preconceito e do descaso advindo da falta de conhecimento e de vontade política.
NASCEM AS APAE’s
Diante disso, famílias com filhos nessa situação começaram a se unir em todo o Brasil, formando uma rede de pais e amigos dos excepcionais, como eram denominados os nascidos com um cromossomo a mais. O professor Iglesias, o pai de Ricardo, empreendia muitas viagens a capital do Rio de Janeiro, onde germinavam as primeiras levas do movimento apaeano, que culminou com a criação das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).
Era no Rio de Janeiro que a família encontrava recursos médicos e orientações para os cuidados com a saúde e a educação de Ricardo. Ao vislumbrar outros pais em Cuiabá enfrentando severas dificuldades para lidar com os filhos portadores da mesma síndrome, o professor afirma ter entendido a razão pela qual Ricardo lhe foi destinado como filho. Ele veio com a missão divina de motivá-lo a trazer para a capital mato-grossense a primeira APAE de Mato Grosso.
O professor Iglesias não tinha a menor vergonha do filho. Passeava com o menino por todos os lugares. Não tinha vergonha de virar criança com Ricardo. Ia, por exemplo, com o filho aos bailes matinês de carnaval no clube Dom Bosco, onde se reunia a elite cuiabana. Colocava orgulhosamente Ricardo nos ombros e brincava com os foliões até que a festa acabasse, segundo se recordam cuiabanos que viveram tais festas.
E, assim como ele, outras crianças com Down foram saindo do anonimato, passaram a frequentar a APAE e atualmente vivem muito, alcançando a terceira idade. Hoje as associações de pais e amigos dos excepcionais se espalham por todo o Estado. O amor de Ricardo continuou inspirando outras ações de inclusão social e de saúde, envolvendo toda a família e, em especial, à Norma Cristina, sua irmã e guardiã, pós graduada em odontologia para pacientes com necessidades especiais.
A VIDA COMO UM ATO POLÍTICO
A vida de Ricardo é considerada pelos que o conheceram como um ato político de representatividade das pessoas com necessidades especiais físicas ou mentais. Ele foi a inspiração para os movimentos católicos “Fé e Luz” e “Catequese Diferencial” na capital mato-grossense. Tais movimentos envolviam estudo e pesquisa na área de educação especial no Estado.
Essas ações também incentivaram o aprimoramento de técnicas científicas nas áreas de educação e saúde, promovendo melhor qualidade de vida e saúde, inclusão social e o exercício da cidadania. Foi a partir dos movimentos citados que as escolas públicas passaram a incluir alunos como Ricardo, cuja alfabetização se deu em uma delas.
Impossível descrever em poucas linhas as inúmeras contribuições dos mencionados movimentos em defesa dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil e em Mato Grosso, na Constituição do Estado e na Lei Orgânica do Município de Cuiabá, bem como na elaboração dos estatutos da criança e do adolescente e da pessoa deficiente.

Troféu Ricardo Iglesias
PRÊMIO RICARDO IGLESIAS
Em razão de tudo que foi anteriormente mencionado, a Academia Interamericana de Odontologia para Pacientes Especiais (AIOPE) recebeu e acatou o nome de Ricardo Iglesias para denominar o prêmio instituído em outubro de 2016, durante reunião ordinária realizada na cidade de Mendonza, na Argentina.
O Troféu Prêmio Ricardo Iglesias foi idealizado pelo cuiabano Arq. Moacyr Freitas. A evolução da forma do Troféu indica simbolicamente: um nascimento, o desenvolvimento que retrai, a reação com esforço e a retomada do desenvolvimento.
O Prêmio Ricardo Iglesias é destinado aos profissionais e instituições que se destacam na pesquisa e dedicação em odontologia para pacientes especiais, com a implantação e execução de projetos de relevância na área.