
O alerta vem do Oeste mato-grossense, mas não é exclusivo daquela região. Mato Grosso vive, sem dúvidas, o pior início de safra de sua história.
Onde a chuva caiu, cessou. Onde se espera pelas precipitações, ela teima em não chegar ou firmar. Essa movimentação pegou produtores de surpresa. O recorde esperado dessa vez é negativo.
A produtividade em 2020/21 pode encolher em até 20%, especialmente nessa porção do Estado.
Em números, a perda pode passar de 11 sacos por hectare, levando em conta o saldo recorde de 2019/20, com média de 59,09 sacas.
Há mais de 40 anos no Estado, o ex-governador e empresário rural Blairo Maggi destaca que, em todo esse período, nunca presenciou um começo de safra como esse.
“Nunca vi o clima aqui em Mato Grosso como agora. A janela de plantio está se fechando, especialmente, para quem produz algodão, e precisa colher soja antes da virada do ano”, disse.
Há casos de replantio em vários municípios de Mato Grosso, como Sapezal, Diamantino, Campo Novo do Parecis, Campos de Júlio e Canarana. Como também há pontualmente, registros de replantio, ‘do replantio’.
Como explica Maggi, além de ser uma operação a mais, e isso não está contabilizado na planilha dos produtores, o replantio geralmente rende menos grãos por hectare.
“Nossa opção, caso o replantio do replantio não vingue, será de esperar para vir cultivando o algodão direto. Além de onerar o custo total de produção, não há como conseguir sementes no mercado”, contou.
Produtores da região de Canarana, ouvidos pelo DIÁRIO, confirmam a preocupação desse momento.
O clima realmente está sendo decisivo e impondo incertezas. Há relatos ainda, de contratos para entrega já entre janeiro e fevereiro – ou seja, entrega de soja precoce – sendo renegociados.
Um produtor, que está envolvido com eleições de uma entidade que representa os produtores de Mato Grosso, pediu para não usar o nome dele, mas ainda assim, afirmou que a pior situação, nesse momento, é a dos produtores de algodão, que não terão mais tempo hábil para cultivar soja, caso seja necessário. “O clima está sendo um vilão”.
Maggi explicou que, próximo à virada do mês, se registraram chuvas em partes isoladas do Estado, como no oeste.
Diante delas, muitos produtores voltaram à campo para dar sequencia ao plantio, na esperança que até a germinação das sementes ocorressem mais precipitações.
Até ontem, isso não havia acontecido e ele frisa que a tolerância dos cultivos à seca é de no máximo, 17 dias. Após esse período, é necessário replantar.
A estiagem de 2020 foi severa e reduziu os índices de umidade do solo, sem essa poupança hídrica, a resistência das sementes pode ser ainda menor e as perdas podem se concretizar.
Mesmo sendo ainda cedo para fazer apostas em relação à produtividade do novo ciclo – cuja colheita deve seguir até abril de 2021 –, o contexto atual preocupa.
A soja nova, da temporada 2020/21, teve recorde de comercialização antecipada.
Desde dezembro do ano passado, as vendas a termo – futuras – começaram a se registradas pelo Estado, fechando o ano com 0,71% da estimativa de produção já vendida.
Esse movimento inédito só ganhou força pelo Estado. Em março apontava comprometimento de 20%. Em maio subiu para 37,25% e em outubro, fechou o mês com mais de 60% da estimativa negociada.
A maior parte da safra é negociada por meio de operações de barter, uma forma de financiar a produção, muito utilizada no Estado, bem como no País
Nessa negociação, o produtor vende parcelas da soja que ainda vai plantar, entrega futura. Em troca, ele recebe insumos (sementes, fertilizantes e químicos) que vão possibilitar o plantio da cultura. Na medida em que colhe, ele vai ‘pagando’ o insumo com o grão/cereal/pluma.
Até o momento, o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), projeta uma safra de 35,86 milhões de toneladas, o que se confirmada será 1,31% maior que a anterior, que foi recorde.
Esse ganho anual está vinculo à expansão de área plantada (+3,18%), passando de 9,98 milhões de hectares para 10,30 milhões, superfície também histórica no Estado. O ganho será especial e não por meio de rendimento por hectare.
Conforme o Imea, está prevista queda de 1,81% em relação à safra 2019/20. Ou seja, a produtividade passaria de 59,09 sacos por hectare para 58,03 sacos.
PREÇOS RECORDES – Na comparação com o mesmo período do ano passado a cotação da saca decolou em 140%, passando de uma média de R$ 73,13 na primeira semana de novembro para atuais R$ 166,78.
No entanto, apesar de um valor dos sonhos e também em patamar inimaginável, essa média é para o grão disponível, que está escasso.
Quem negociou soja, via barter, ou qualquer outro mecanismo de proteção de preços, não chegou nem perto da precificação atual.
Da safra 2019/20, em 35,40 milhões de toneladas, restam nas mãos do produtor menos de 1%, já que 99,30% do total foi comercializado até a virada do mês.
Da safra atual, 60,40% estão vendidos, cabendo ao produtor apenas cumprir contratos, entregar a soja na medida que for colhendo.
Como explicam os analistas do Imea, o dólar valorizado e a forte demanda chinesa impulsionaram os preços da soja no mercado interno.
“Como ainda faltam três meses para o início da nova colheita, o baixo estoque no Estado, aliado a fatores de oferta e demanda mundial, está levando à valorização da soja, que alcançou média de R$ 166,78/sc na última semana. Para se ter uma ideia, os valores já estão acima do dobro do visto no mesmo período de 2019, levando as cotações internas no Estado a patamar superior aos de Paranaguá, algo ainda não visto no país. Porém, é importante destacar que pouco produto foi negociado nestes níveis de preço. Aliás, até dezembro do ano passado - quando havia 50% da soja negociada – os preços estavam abaixo de R$ 70,00/sc, o que mostra que esta alta pouco chegou ao bolso do produtor”.
O plantio em Mato Grosso completou a 8ª semana de trabalhos.
Conforme dados atualizados nessa sexta-feira, pelo Imea, 83,24% da área estimada no Estado com soja, estão semeados.